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A canção popular

É importante que se entenda que canção popular não é um gênero de música e, sim, uma categoria de linguagem. Assim como o cinema e a telenovela utilizam elementos da linguagem teatral sem ser teatro, a canção popular lança mão de elementos da linguagem musical sem ser música.

Ao contrário do que se pensa, a base para a construção de uma canção popular não é a música, mas a fala. À primeira vista, tal afirmação pode parecer estranha, mas pense: por que todo povo tem canção? Por que todo mundo canta? Porque todo mundo sabe falar! Explicarei melhor.

Com exceção de alguns poucos compositores, os cancionistas compõem suas canções a partir de uma sequência de acordes tocada à exaustão no violão ou no piano, até que surja uma frase acompanhada de uma melodia que eles considerem um bom ponto de partida para sua criação. Alguns compositores sequer sabem tocar um instrumento e realizam esse processo a partir de experimentos com a palavra cantada. É isso! Como dizia Augusto de Campos em O Balanço da Bossa: “A palavra cantada é outra coisa”.

Luiz Tatit foi quem nos deu a chave para compreender profundamente este processo. Na verdade, o cancionista – esse equilibrista de melodia e letra – utiliza como material para suas criações a melodia da fala cotidiana. Isso mesmo! A nossa fala cotidiana já é carregada de uma melodia desorganizada e desestabilizada. Esta melodia é dessa maneira porque ela só tem a função de dar ênfase ao conteúdo do nosso discurso. Assim que a pessoa que está nos escutando compreendeu o que queremos dizer, a melodia de nossa fala não tem mais nenhuma utilidade. Com a canção é diferente, o cancionista cria um texto, que como vimos já tem uma melodia, e o repete sempre da mesma maneira, no mesmo tom, com a mesma curva melódica, com o mesmo ritmo. Dessa maneira ele estabiliza a melodia da fala cotidiana e esta ganha o estatuto de melodia musical, na maioria das vezes a partir do apoio dos acordes do instrumento (em geral, violão ou piano) utilizado. Daí sua caracterização como canção popular. Por isso, todo ser humano que sabe falar é um cancionista em potencial.

“Minha palavra cantada pode espantar

E aos seus ouvidos parecer ilógica”

(Excerto da canção “Muito Romântico”, de Caetano Veloso)

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